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OPINIÃO: A chuteira Club Sul

Jogar futebol é, invariavelmente, a principal diversão dos garotos que moram na periferia das cidades. Com Luiz, não era diferente. Depois das aulas na escola municipal do bairro, pela parte da manhã, sobrava um tempinho à tarde para bater uma bolinha com os amigos no campo repleto de "barbas de bode" e de estrumes das vacas do Seu Abílio. De segunda a sexta, era a atividade de lazer predileta da meninada. Nem a chuva atrapalhava as partidas. Raramente, os jovens jogadores atuavam com chuteiras. Isto, sim, prejudicava o desempenho dos atletas, que escorregavam muito em virtude de usar tênis velhos e com solados lisos. O jeito era desviar, nas quedas, dos enormes bolos defecados pelas vaquinhas leiteiras.

Nem sempre isso era possível, e os calçados ganhavam uma nova coloração, só modificada bem depois, graças à limpeza com muita água, sabão e escovão no tanque de casa. Mas, um dia nunca é igual ao outro, já dizia o poeta. Uma terça-feira fria e ensolarada de julho, em 1980, nasceu diferente. O apito do trem, com mais de 50 vagões puxados por três locomotivas da RFFSA, indicava uma surpresa. Sadi, amigo de Luiz, chegou com a novidade durante a "pelada" da tarde. Ele havia acertado um jogo com o time do outro lado da ponte da Rua Gonçalves Dias para o sábado seguinte. A partida seria disputada no campo principal da então 3ª Companhia de Comunicações do Exército, a 3ª Cia Com, com redes nas goleiras, marcações completas e até juiz.

O anúncio do embate foi uma festa. O time do lado de cá da ponte da Rua Gonçalves Dias conseguiu o fardamento completo emprestado do Areião, camiseta e meia cinza, e calção branco, com a colaboração do Seu Coelho, presidente do clube. Faltavam, porém, as chuteiras. Nem todos possuíam o pisante adequado para a prática esportiva. Luiz estava entre os "sem chuteiras", e jogar de tênis era inapropriado. O jeito foi tentar convencer o pai, Seu Wilson, um progenitor econômico, a comprar o equipamento. O diálogo entre Luiz e o pai começou na terça à noite e se arrastou na quarta e na quinta-feira. Somente na sexta-feira à noite, o jovem atleta recebeu o sim de Seu Wilson. No sábado pela manhã, ambos foram até a Eny Esportes, e Luiz ganhou uma chuteira Club Sul preta, número 37, com detalhes em branco e cadarços zebrados. Era vistosa, novinha em folha. A nova chuteira foi para o jogo na tarde de sábado.

Depois de um primeiro tempo sem gols, a partida esquentou na etapa final. Aos cinco minutos, o time do outro lado da ponte da rua Gonçalves Dias fez 1 a 0. O empate veio aos 30 minutos, numa cobrança de falta, efetuada por Sadi. A vitória do time do lado de cá da ponte da Gonçalves Dias surgiu aos 44 minutos. Num levantamento para a área, a bola sobrou para Luiz, que chutou forte com o pé direito para decretar o placar de 2 a 1. Foi uma alegria geral, com direito a comemoração depois do jogo. A gurizada tomou Cyrillinha e comeu Pastelina no bar do Seu Roque. Foi um dia inesquecível.

Passados 38 anos, Luiz e Sadi constituíram as suas famílias e viraram compadres. A antiga chuteira Club Sul não existe mais. Novas e modernas marcas ingressaram no mercado esportivo. Porém, quando Luiz passa pelo Calçadão Salvador Isaia e olha a vitrine da Eny Esportes, o coração bate mais forte e a saudosa Club Sul parece estar exposta à espera de um novo desafio. A imaginação é fascinante e ajuda a transformar vidas. "Que tempo bom, que não volta nunca mais", já cantava Chico da Silva.

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